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Simplesmente ELVIS

Atualizado: 16 de set. de 2022


O recente filme de Baz Luhrmann tem tido uma boa recepção do público. Elvis conta a história do Rei do Rock de um modo não inédito, porém inusitado: a narrativa é feita pela visão de Tom Parker (interpretado por Tom Hanks), seu controverso empresário que possuía uma relação quase parental com o astro, ao mesmo tempo em que o extorquia.


A obra aborda bem a complexidade das relações humanas, não enquadrando classicamente personagens como vilões e mocinhos e, por vezes, contradizendo as falas de Parker com as imagens apresentadas. Austin Butler dá show de atuações ao interpretar o Rei não tanto por uma maneira copiosa aos seus trejeitos, mas principalmente por expor o lado doce e até mesmo ingênuo do Elvis que existia por trás dos holofotes. Apesar de ter apresentado ótimo resultado dançando, deixa alguns com gosto de quero mais nas coreografias, mas entrega tudo na atuação sedutora, intensa e doce que dá ao seu personagem.





A fotografia é impecável, contando com transições inteligentes e simbologias não exageradas, mas presentes na obra. O filme é acompanhado de um ritmo por vezes frenético que faz com que 2h39min passem num piscar de olhos. As referências históricas hollywoodianas e musicais são vastas, mas o que chama a atenção mesmo é a forma como o racismo estrutural é abordado no filme, mostrando o quanto Elvis era um homem à frente do seu tempo, sempre valorizando as suas verdadeiras inspirações na música (que eram pessoas pretas) e nunca tomando o lugar de fala delas, mantendo-se na postura correta e antirracista de um homem branco, mesmo em uma época distante de entender todos esses conceitos. Conceitos esses que ele entendia mais do que a maioria das pessoas, recusando o título de Rei do Rock sempre, por entender a sua posição social, fato confirmado pelas biografias existentes do cantor. Sem contar que a obra expõe, mesmo que de forma breve, Sister Rosetta Tharpe (interpretada por Yola), a verdadeira rainha que inventou o rock.


De modo muito mais breve, a autenticidade do astro também é demonstrada, seja por sua dança nada convencional e chocante para os moldes conservadores da época, seja por sua maquiagem utilizada em tempos em que a masculinidade era imposta de forma tão tóxica (sim, uma base no rosto chocava muito). Mesmo assim, sofrendo com o machismo ligeiramente retratado, Elvis conseguiu se tornar símbolo da masculinidade que muitos questionavam, mesmo em meio a ameaças de prisão, sendo corajosamente ele mesmo.


A vida amorosa de Presley é retratada em partes. Seu relacionamento com Priscilla (interpretada doce e brilhantemente por Olivia Dejonge) e o nascimento da única filha do Rei do Rock (que, mais tarde, se casaria com Michael Jackson) é abordado de forma não tão profunda, mas intensa o suficiente para termos dimensão do drama que havia entre eles. A relação abusiva que existia entre Elvis e Priscilla Presley não é retratada com grande atenção, provavelmente para se manter positiva a receptividade do público e também pela complexidade de abordar, sem sofrer cancelamento, os aspectos considerados abusivos por nós hoje, mas comuns e até vistos como românticos para homens nascidos na década de 30. A obra deixa muitas dúvidas sobre o tipo relacionamento ali existente (pois se assemelha a uma relação aberta apenas da parte permissiva de Priscilla), mas prende pelo amor, ainda que sofrido. Também as relações posteriores da estrela da música, como, por exemplo, o seu noivado com a atriz Ginger Alden, tornam-se inexistentes na narrativa, talvez pelo fato de Priscilla hoje ser a empresária que tirou o nome de Elvis da falência após a sua morte e faz de tudo para manter a fortuna e reputação do astro impecáveis ainda nos dias de hoje.


O filme utiliza sem medo a licença poética para tornar alguns fatos da vida do artista um tanto mais cinematográficos. Por isso, é importante consultar biografias e não levar ao pé da letra a obra se o intuito é entender literalmente como foi a história de Elvis e a sequência de lançamento das suas músicas. Apesar disso, e como um ótimo filme faz, retrata o brilhantismo de um astro que, com todas as suas limitações sociais, mostrava-se um homem íntegro, generoso, humilde e com um medo enorme de ser esquecido.


Elvis partiu cedo demais. Considerado o artista mais vendido de todos os tempos, agora seu filme faz jus à sua carreira, nos deixando afoitos por mais conhecimento sobre quem ele foi e nos apresentando a tristeza que ele, como mero mortal, sentia por ser quem não foi (tornar-se um grande astro de cinema, sonho que sempre almejou conquistar). A sua essência, porém, segue inquestionável: um gênio simples, de coração nobre que partiu sem jamais ter tido dimensão da lenda que se tornaria e do tamanho do astro que viraria no mundo da música.


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